Governo Sarney

O governo de José Sarney foi o primeiro governo a assumir o Brasil após a Ditadura Militar. Foi nesse período que a Constituição de 1988 foi promulgada.
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O Governo Sarney ficou marcado por ter sido o primeiro governo civil a assumir o Brasil após 21 anos de Ditadura Militar. José Sarney assumiu a presidência após a trágica morte de Tancredo Neves, o presidente eleito em 1985. Sarney foi o responsável por conduzir o retorno do país à normalidade democrática.

Um dos grandes marcos desse governo foi a formação de uma Assembleia Constituinte que redigiu e promulgou a Constituição de 1988. O governo de José Sarney também ficou conhecido por fracassar no combate à crise econômica que assolava o país. O político maranhense governou o país entre 1985 e 1990.

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Redemocratização

No final da década de 1970, os militares optaram por realizar a transição política no Brasil de forma a realizar uma abertura do regime para entregar o poder novamente aos civis. Os historiadores entendem essa ação dos militares não como uma ação em busca da democratização do país, mas sim de uma abertura que mantivesse governo civis, mas que vinculados aos interesses militares.

A abertura planejada pelos militares acabou não dando certo por conta do engajamento da população pela democratização do país. Um dos movimentos populares símbolo dessa luta foi o Movimento das Diretas Já, impulsionado pela Emenda Dante de Oliveira, que debatia a respeito do retorno das eleições diretas no Brasil.

As Diretas Já mobilizaram milhões de brasileiros em comícios realizados em todas as partes do país. A população desejava poder escolher o presidente do país, depois de mais de vinte anos da última vez que esse direito havia sido exercido. A emenda pelas Diretas Já, no entanto, foi derrotada e a eleição presidencial de 1985 continuou sendo indireta.

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Para a eleição de 1985, os militares decidiram lançar por meio do Partido Democrático Social (PDS), o partido herdeiro do Arena, o candidato Paulo Maluf. Essa decisão desagradou José Sarney, que queria a realização de prévias no interior do PDS e não uma simples nomeação. Sarney era o presidente do PDS e acabou rompendo com o partido e mudando-se para o PMDB.

A oposição aos militares, formada sobretudo pelo PMDB (Partido da Mobilização Democrática Brasileira), decidiu mobilizar-se para lançar um candidato e concorrer contra Paulo Maluf. O candidato escolhido pelo PMDB foi Tancredo Neves, tradicional político mineiro, e, como seu vice, foi escolhido José Sarney.

Houve intensa movimentação política no interior do Colégio Eleitoral e Tancredo Neves conseguiu sobressair-se ao candidato apoiado pelos militares, obtendo 480 votos contra 180 votos obtidos por Paulo Maluf. Com esse resultado, pela primeira vez em 21 anos, o Brasil teria um civil na presidência. Era o fim da Ditadura Militar.

Morte de Tancredo Neves

Tancredo Neves (no meio) venceu a eleição do Colégio Eleitoral, em 1985, mas acabou falecendo e não pôde tomar posse como presidente do Brasil.[1]
Tancredo Neves (no meio) venceu a eleição do Colégio Eleitoral, em 1985, mas acabou falecendo e não pôde tomar posse como presidente do Brasil.[1]

A posse presidencial de Tancredo Neves estava marcada para acontecer no dia 15 de março de 1985. Nas semanas anteriores à posse, Tancredo escondeu de todos que sentia dores abdominais, porque temia que isso pudesse ser usado como justificativa pelos militares para se perpetuarem no poder. Ele planejava procurar tratamento médico após a posse, mas às vésperas dela, no dia 13 de março, acabou sendo internado às pressas.

A condução da situação de Tancredo foi muito ruim, uma vez que ele foi operado em um hospital com condições técnicas e de higiene questionáveis. Ele foi transferido para São Paulo, passando por sete cirurgias, mas acabou falecendo no dia 21 de abril de 1985. Enquanto estava internado, o país questionava-se quem assumiria a presidência.

Após muito debate e muita negociação política, ficou decidido que o vice-presidente assumiria temporariamente até a recuperação de Tancredo Neves. Sendo assim, em 15 de março, José Sarney tomou posse como presidente interino do Brasil. Por uma ironia do destino, a presidência do Brasil após a ditadura caía no colo de um político que construiu sua carreira como apoiador da ditadura.

O falecimento de Tancredo Neves acabou confirmando José Sarney como o primeiro presidente do Brasil a assumir o cargo após a saída dos militares. Durante o seu governo, foi realizada a montagem da estrutura democrática do país e elaborada uma nova Constituição. Como parte do acordo de Tancredo com os militares, nenhum tipo de investigação dos crimes cometidos por militares na ditadura foi realizado.

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Principais acontecimentos

Com o falecimento de Tancredo Neves, José Sarney acabou assumindo a presidência do Brasil.[1]
Com o falecimento de Tancredo Neves, José Sarney acabou assumindo a presidência do Brasil.[1]

A posse de José Sarney foi, com certeza, um enorme anticlímax para a sociedade que defendia a democratização do Brasil. De toda forma, coube a ele cumprir esse papel apesar de que, inicialmente, Ulysses Guimarães, deputado federal, tinha mais influência política no país que o próprio presidente.

Em maio de 1985, José Sarney apresentou o Emendão, nome que dado à Emenda Constitucional que realizava uma série de concessões democráticas no país, como o reestabelecimento das eleições diretas para presidente, concedia direito de voto aos analfabetos etc. Em junho, saiu a convocação para a realização de eleição para formar uma Assembleia Constituinte.

Sarney fez articulações políticas para que a Constituinte fosse formada por aqueles que já faziam parte do legislativo. Isso ia contra os interesses populares que queriam que a Constituinte fosse formada por pessoas que teriam como única e exclusiva função a elaboração da nova constituição brasileira.

  • Constituição de 1988

Ulysses Guimarães anunciando a promulgação da Constituição de 1988.[1]
Ulysses Guimarães anunciando a promulgação da Constituição de 1988.[1]

Foi no processo de elaboração da Constituição de 1988 que os atritos do presidente com os congressistas mostraram-se claramente. Enquanto Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, e a maioria de seus colegas buscavam construir um arcabouço legal democrático para nosso país, o presidente seguia o caminho contrário.

Sarney fazia parte de um grupo que desejava construir uma ordem liberal no país, mas com pouca democracia e, segundo as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, Sarney “utilizava práticas e acordos fisiológicos para estender o próprio mandato e garantir sua permanência por cinco anos na Presidência da República”|1|.

A Assembleia Constituinte foi um momento ímpar na história brasileira, uma vez que mobilizou nossa sociedade para a construção de uma carta democrática que respeitasse direitos de todos, incluindo grupos marginalizados, como os negros, índios e as mulheres. O envolvimento popular de maneira direta na produção de uma nova constituição resultou na elaboração da constituição mais democrática da história do Brasil.

A Constituinte era formada por 559 congressistas que tomaram posse em 1º de fevereiro de 1987 e os trabalhos para elaboração da Constituição estendeu-se durante mais de um ano. A Constituição de 1988 foi um enorme avanço para o Brasil na questão dos direitos civis. Ela, no entanto, omitiu questões importantes para o desenvolvimento do país, como a reforma agrária. Essa pauta acabou sendo derrubada por conta do lobby de ruralistas, donos de grandes propriedades.

Durante os trabalhos da Constituinte, 112 emendas populares foram enviadas, contendo, ao todo, mais de 12 milhões de assinaturas|2|. O resultado final foi um documento com 250 artigos, amplamente democrático e que está em vigor até hoje. A promulgação foi realizada em 5 de outubro de 1988 com um discurso de Ulysses Guimarães.

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  • Plano Cruzado

Além de conduzir o país para sua redemocratização, Sarney tinha como responsabilidade recuperar a economia brasileira. No ano anterior ao da posse de Sarney, a inflação no país tinha sido de 215,27% e eram necessárias mudanças para que essa situação fosse superada. Por conta disso, em 28 de fevereiro de 1986, foi lançado o Plano Cruzado.

Esse plano decretou o congelamento de preços e os salários foram reajustados em 15%, mais 8% de bônus e receberiam um ajuste a cada 20% que a inflação aumentasse. Uma nova moeda foi criada, o cruzado, e cada 1000 cruzeiros equivaleriam a 1 cruzado. Além disso, Sarney incentivou a população a monitorar os preços dos produtos e denunciar caso encontrasse aumento irregular.

O resultado a princípio foi extraordinário e a inflação despencou rapidamente. Como os salários tinham sofrido aumento, o poder de compra da população aumentou consideravelmente. O resultado foi que a popularidade de José Sarney disparou. O presidente sabia que ele não poderia manter o congelamento de preços durante muito tempo, mas visando às eleições de 1986, ele acabou decidindo por estender essa medida.

O congelamento dos preços acabou fazendo com que o valor de muitos produtos ficassem defasados, deixando de ser produzidos. Além disso, com o aumento do poder de compra da população, muitas mercadorias sumiram e só eram disponibilizadas mediante o pagamento de ágio, uma cobrança extra sobre o valor do produto. Quando as eleições aconteceram, a população ainda estava movida pela euforia do sucesso inicial do plano e o resultado foi que o PMDB dominou as eleições de 1986.

Logo depois da eleição, Sarney anunciou o Plano Cruzado II, autorizando o reajuste de preços de mercadorias e serviços. O resultado foi que o valor do combustível aumentou 60%, da energia elétrica 120% e o reajuste de muitas mercadorias foi de mais de 100%|3|. Isso fez a inflação aumentar e, no final de 1986, ela tinha chegado a 79%.

Como consequência da crise econômica, no começo de 1987, o Brasil anunciou moratória, isto é, tornou público que não pagaria os seus credores internacionais. Dali pra frente a situação só piorou e a inflação alcançou 1973% de pico. O governo de Sarney ainda foi acusado durante todo a sua extensão de envolvimento em esquemas de corrupção.

Crédito das imagens

[1] FGV/CPDOC

Notas

|1| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 488.

|2| Idem, nota 1.

|3| MOTTA, Marly. A estabilização e a estabilidade: do Plano Real aos governos FHC (1993-2002). In.: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: o tempo da Nova República – da transição democrática à crise política de 2016. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, p. 49.

Por Daniel Neves Silva

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