Por Tales Pinto
O fim da escravidão no Brasil durante muitos anos foi apresentado como uma ação do Estado brasileiro, pressionado pela Inglaterra, através de várias legislações, culminando com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, em 1888. Também foi apresentado como resultado do interesse das elites latifundiárias cafeeiras, que viam o trabalho assalariado mais lucrativo que a força de trabalho escravizada.
Porém, pouco se fala sobre o papel desempenhado pelas lutas dos escravos como principal forma de pressão pelo fim da escravidão. Considerando que a escravidão era o principal sustentáculo da sociedade colonial e imperial brasileira, a lutas dos escravos representou uma tendência de ruptura interna nessa relação, que ao final do século XIX não poderia mais ser sustentada.
Essas lutas existiram desde o início da escravidão. O caso mais notório durante o período colonial foi a formação do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, onde hoje se localiza o estado de Alagoas. Vários outros quilombos foram formados, não tão grandes, é certo, mas que mostraram sua importância, já que a partir da fuga das fazendas, os escravos pretendiam criar uma ruptura com a escravidão, buscando a liberdade.
As fugas, porém, não se davam apenas em casos de ruptura com a escravidão. Em sua boa parte, elas ocorriam como busca de melhorias dentro da escravidão. Era o caso das fugas reivindicativas, que pretendiam exigir melhores condições de trabalho no eito. Exemplo disso foi a fuga dos escravos do Engenho Santana, na região de Ilhéus, na Bahia. Em 1789, um grupo de escravos fugiu do engenho e formou um quilombo nas imediações da fazenda. Apresentaram a seu senhor um tratado, em que exigiam melhores condições de trabalho, eleição de outros feitores e o direito de “brincar, folgar, e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos empeça e nem seja preciso licença.” [1] Tal evento demonstrou que a luta dos escravos era por alterações na vida cotidiana dentro dos locais de trabalho.
Outra forma de luta realizada pelos escravos eram as rebeliões. Na Bahia do início do século XIX, cerca de 30 rebeliões de escravos ocorreram ou foram tramadas, sendo impedidas pela ação policial. A mais notória delas foi a Revolta dos Malês, em 1835. Levando em consideração a Independência do Haiti, que no início do século foi conduzida violentamente pelos escravos e resultou no fim da escravidão, os levantes dos africanos escravizados criavam o temor da repetição de um evento semelhante no Brasil, que poderia custar, literalmente, a cabeça dos fazendeiros.
A constituição de quilombos nas proximidades das cidades contribuía também para minar o sistema escravista brasileiro. A criação de redes de solidariedade próximas aos quilombos, com habitantes das cidades (escravos libertos, parentes ou mesmo com brancos), possibilitava a realização de pequenas transações comerciais que permitiam a reprodução material de suas vidas em regime de liberdade. Além disso, havia a aproximação com as pessoas livres, criando um sentimento de antiescravidão.
A legislação abolicionista também resultou no acirramento dos conflitos sociais entre escravos e senhores. A intensificação do tráfico interno após a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, levou às fazendas do centro-sul escravos considerados “indisciplinados” e que impunham as condições do “cativeiro justo” com ritmos e trabalhos e quais trabalhos deveriam desempenhar decididos pelos escravos.
O contato resultou em rebeliões e fugas em massa nas décadas anteriores à abolição. A Lei do Ventre Livre, de 1871, também levava os escravos a contestarem a situação de escravidão em que se encontravam. Em 1885, 120 escravos da fazenda Cantagalo, localizada na cidade de Campinas, interior de São Paulo, rebelaram-se e fugiram em massa da fazenda em direção à cidade, entoando gritos de “Viva a Liberdade!” pelo caminho.
Todas essas ações criavam um clima propício a uma convulsão social, caso se transformasse em ações de maior escala, colocando em risco o poder econômico e político da elite brasileira. Nesse sentido, mas não negando os demais fatores, as lutas escravas contra a escravidão, conduzidas de forma autônoma pelos escravos, criaram uma ruptura interna no sistema escravista, pressionando pelo seu fim em 1888.
[1] Nota: AMARAL, Sharyse Piroupo do. História do negr o no Brasil. Brasília: Ministério da Educação. Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; Salvador: Centro de Estudos Afro Orientais, 2011.