Constituição de 1824

Constituição de 1824 foi o primeiro documento do tipo na história do Brasil, sendo outorgada em 25 de março de 1824. Estabeleceu um regime monárquico em nosso país.
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A Constituição de 1824 é conhecida como a primeira Constituição da história de nosso país. Esse documento foi elaborado no contexto de pós-independência do Brasil. Seu processo de produção foi tenso e marcado pelos conflitos entre d. Pedro I, imperador do Brasil, e os membros da Assembleia Constituinte.

A postura autoritária de d. Pedro I fê-lo voltar-se contra os constituintes e outorgar, isto é, impor uma Constituição. A Constituição de 1824 ratificou a monarquia como forma de governo no Brasil e concedeu amplos direitos para o imperador por meio de um quarto poder conhecido como Poder Moderador.

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Contexto antecedente

A Constituição de 1824 foi um documento necessário para organizar institucionalmente o Brasil após sua declaração de independência, em 7 de setembro de 1822. Esse processo, além de influenciado pelo contexto internacional, de difusão dos ideais liberais e de contestação da ordem colonial, foi motivado pelo desgaste da relação entre Portugal e Brasil.

É sempre importante lembrar que, desde 1808, a família real portuguesa estava estabelecida no território brasileiro como consequência dos conflitos de Napoleão Bonaparte na Europa. Uma vez  no Brasil, o regente de Portugal, d. João (tornou-se d. João VI a partir de 1816) realizou uma série de medidas que garantiram um novo status para o país.

O regente português realizou a abertura do comércio brasileiro para as nações amigas, incentivou o desenvolvimento artístico e científico aqui, promoveu movimentos de expansão territorial na América do Sul, e, em 1815, elevou o Brasil à condição de reino, na prática, fazendo com que deixasse de ser apenas uma colônia e se tornasse parte de Portugal.

Entretanto a permanência do rei português no Rio de Janeiro e as melhorias pelas quais o Brasil passou nesse período começaram a desagradar aos portugueses. Essa insatisfação ganhou forma consistente quando a política portuguesa começou a ser influenciada por ideais do liberalismo. Passou-se então a defender fortemente uma monarquia constitucional no país, pautada no retorno do rei para Lisboa.

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Daí nasceu a Revolução Liberal do Porto, um levante de cunho liberal que estourou em Portugal no ano de 1820. Um governo provisório foi formado com o nome de Cortes Portuguesas, e debates para a elaboração de uma nova Constituição foram iniciados. Uma demanda que se tornou pauta essencial para os liberais portugueses era o retorno de d. João VI para a metrópole.

A pressão exercida fez com que d. João VI retornasse para Portugal, em abril de 1821, mas seu filho, Pedro de Alcântara, permaneceu no Brasil como regente. A atitude dos portugueses em relação ao Brasil também contribuiu para que houvesse um afastamento entre os dois lados, porque os liberais portugueses queriam implantar medidas que, na prática, significavam a recolonização brasileira.

A princípio, houve certo ânimo de autoridades do Brasil com o que se passava em Portugal, pois entendiam que poderia reverter-se em mais liberdade aqui. Entretanto, quando os brasileiros perceberam as intenções recolonizadoras, um desgaste surgiu, e a relação com os portugueses foi piorando gradativamente ao longo de 1821, sobretudo a partir de 1822.

Durante o processo de independência, d. Pedro assumiu um papel de liderança e tornou-se d. Pedro I ao ser coroado imperador do Brasil, em 1822. [1]
Durante o processo de independência, d. Pedro assumiu um papel de liderança e tornou-se d. Pedro I ao ser coroado imperador do Brasil, em 1822. [1]

D. Pedro tornou-se uma grande personalidade no Brasil, e, apoiado por José Bonifácio de Andrada e Maria Leopoldina, esposa de d. Pedro, o princípe regente assumiu um papel de liderança no processo de independência. Em janeiro de 1822, ele se recusou a retornar para Portugal; em maio de 1822, ele anunciou o “Cumpra-se”, medida que determinava que leis portuguesas só teriam validade no Brasil com a sua aprovação.

O desgaste na relação levou o Brasil ao caminho da ruptura, e d. Pedro, percebendo que o clima aqui era favorável e que a relação com Portugal era inviável, declarou a independência em 7 de setembro de 1822, durante uma viagem que fazia a São Paulo. Isso fez com que fosse coroado imperador do Brasil e criou a necessidade de uma Constituição para que o novo país fosse organizado.

Veja mais: Revolução Pernambucana - última de caráter separatista antes da independência

Assembleia Constituinte de 1823

A elaboração de uma Constituição passava pela formação de uma Assembleia Constituinte (instituição formada por parlamentares que trabalha na redação do documento). Aqui no Brasil, uma Assembleia Constituinte tinha sido formada antes mesmo de a independência ser declarada, pois aqueles que defendiam essa ideia já haviam percebido que o país não tinha uma instituição política para administrá-lo.

Assim, d. Pedro passou a ser pressionado para a convocação de uma Assembleia Constituinte, e, como resultado, ela foi ordenada em 3 de junho de 1822. Isso já demonstrava uma intenção  expressa de independência, pois o documento de convocação falava em “independência moderada pela união nacional”.

A Assembleia Constituinte iniciou seus trabalhos somente em 3 de maio de 1823. Antes disso, os deputados haviam se reunido, em 17 de abril de 1823, como membros da Assembleia Legislativa, e, dos 90 deputados eleitos, somente 52 estiveram presentes. Eles formavam a elite do Brasil, e muitos eram bacharéis, militares, padres, grandes proprietários de terra etc.

Politicamente, os deputados que faziam parte da Assembleia Constituinte formaram dois grupos ideologicamente distintos e que foram definidos pelos historiadores como “conservadores” e “liberais”. Resumidamente podemos defini-los da seguinte maneira:

  • Conservadores: formavam o “partido português”, que defendia a implantação de uma monarquia no Brasil aos moldes absolutistas. Havia neles um grande número de portugueses.
  • Liberais: formavam o “partido brasileiro” e defendiam a implantação de algumas liberdades civis e políticas no Brasil. Defendiam uma monarquia constitucional, marcada pela limitação dos poderes do imperador, e uma divisão muito clara da jurisdição de cada um dos três poderes. Dentro dos liberais, havia uma ala conhecida como “exaltada”, que defendia mudanças mais profundas no país — o que incluía um sistema federalista, a abolição do trabalho escravo e a implantação de uma república.

O trabalho realizado pelos constituintes teve de dar conta da divisão ideológica que existia na Constituinte. No que se refere à relação com o imperador, inicialmente, o vínculo entre os parlamentares e ele foi bastante amistoso, e fala-se, ainda, em uma postura cordial do imperador.

Essa situação mudou radicalmente quando os constituintes finalizaram, em novembro de 1823, o texto da proposta de Constituição que recebeu o nome de Constituição da Mandioca. Esse modelo  não agradou d. Pedro, que interveio na situação de maneira autoritária. A Constituinte foi fechada, alguns parlamentares foram presos, e a Constituição da Mandioca foi barrada.

O que desagradou a d. Pedro foi especificamente que esse documento propunha a divisão dos poderes, mas criava mecanismos que sujeitavam o Executivo ao Legislativo. Assim, os poderes do imperador ficariam limitados e os parlamentares teriam amplos poderes políticos. Além disso, um item proibia estrangeiros de ocuparem cargos políticos no Brasil.

As duas propostas não agradavam tanto ao imperador quanto aos membros do partido português, e ambos aproximaram-se no período de atuação da Constituinte. O fechamento da Assembleia Constituinte aconteceu em 12 de novembro de 1823, e esse evento recebeu o nome de Noite da Agonia.

Acesse também: Constituição Cidadã, a atual Constituição do Brasil

Constituição de 1824

A Constituição de 1824 foi a primeira da história do Brasil, sendo outorgada pelo imperador d. Pedro I, em 25 de março de 1824. [1]
A Constituição de 1824 foi a primeira da história do Brasil, sendo outorgada pelo imperador d. Pedro I, em 25 de março de 1824. [1]

Com o fechamento da Constituinte, d. Pedro I reuniu os membros do Conselho de Estado, e, durante 15 dias, eles trabalharam na elaboração de uma nova Constituição. Essa segunda versão foi outorgada pelo imperador em 25 de março de 1824. O termo “outorgado” significa que ela foi escrita e aprovada de maneira unilateral, isto é, sem debates. A primeira Constituição do Brasil foi, portanto, imposta por d. Pedro I.

A Constituição de 1824 tinha uma forte influência do liberalismo francês e impôs a monarquia como forma de governo. Além disso, a passagem do poder seria realizada de maneira hereditária, isto é, o poder permaneceria na linhagem dos Bragança. Estipulava-se um sistema representativo, no entanto, via eleições indiretas.

O direito ao voto era baseado em um critério censitário, e só poderiam votar os homens, maiores de 25 anos, que tivessem renda anual igual ou superior a 100 mil réis. Permitia-se o voto dos analfabetos, e os libertos poderiam votar na primeira instância das eleições.

Atendendo aos interesses do imperador, a divisão do poder deu-se por meio de quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. O quarto poder era representado exclusivamente pelo imperador e estava acima dos demais. A Constituição de 1824 mostrou-se, portanto, bastante centralizadora.

Assim o imperador tinha poderes irrestritos para governar o país. Ele poderia fazer nomeações nos poderes Executivo e Judiciário e também era inimputável, ou seja, não poderia responder judicialmente pelas ações tomadas em governo. Essa Constituição também garantia direito a ele de conceder títulos de nobreza. Os títulos nobiliárquicos existentes no Brasil eram: barão, visconde, conde, marquês e duque.

Essa Constituição também garantiu liberdades civis e políticas, resguardando direitos, como a liberdade religiosa e a propriedade privada. A escravidão foi mantida em vigência, pois  o documento não mencionava nada a respeito dessa instituição. A única menção aos escravos fala que eles não tinham direito ao voto.

Por fim, a maneira autoritária como d. Pedro I lidou com o processo de elaboração da Constituição criou marcas profundas que deixaram a relação dele com os parlamentares bastante abalada durante todo o Primeiro Reinado. Outras decisões equivocadas levaram a uma situação de atrito tão intensa que o imperador precisou renunciar, em 1831.

Crédito das imagens

[1] Commons

Por Daniel Neves Silva