Primavera de Praga

A Primavera de Praga foi um evento ocorrido na capital da Tchecoslováquia, em 1968. Uma tentativa de reforma política de Estado que resultou na abrupta invasão soviética no país.

Por Cassio Remus de Paula

Tanque soviético em chamas e manifestantes com a bandeira da Tchecoslováquia durante a Primavera de Praga.
Tanque soviético em chamas e manifestantes com a bandeira da Tchecoslováquia na cidade de Praga, 1968.
Crédito da Imagem: Wikimedia Commons
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A Primavera de Praga foi um momento de tensão pelo qual a Tchecoslováquia passou no ano de 1968, quando o primeiro-secretário do Partido Comunista do país, Alexander Dubcek, propôs reformas políticas, econômicas e sociais que contradiziam a ideologia da União Soviética, liderada, então, pelo neostalinista Leonid Brejnev. Essas medidas, que deram início à Primavera de Praga, foram brutalmente sufocadas pelo Estado soviético, que convocou os aliados do Pacto de Varsóvia para invadirem a Tchecoslováquia com meio milhão de soldados do Exército Vermelho, além de milhares de tanques e centenas de aviões de guerra.

A medida tomada por Brejnev deixou mais de uma centena de mortos e impôs um novo regime autoritário sobre a Tchecoslováquia, resultando em uma imagem negativa para a URSS entre os países do Ocidente e outros Estados pertencentes à União Soviética.

Leia também: Cortina de ferro — bloco de países europeus que estavam sob influência soviética no contexto da Guerra Fria

Resumo sobre Primavera de Praga

  • A Primavera de Praga foi um momento de tensão ocorrido em 1968, na capital da Tchecoslováquia, ocasionado por uma tentativa de reforma política no país.
  • O primeiro-ministro, Alexander Dubcek, propôs a flexibilização da política do Estado que, por sua vez, fazia parte do Bloco Soviético.
  • O programa se chamava “Socialismo com rosto humano”.
  • Seus objetivos incluíam abertura econômica, democratização do Partido Comunista, liberdade de imprensa e expressão e maior transparência política.
  • A reação da União Soviética, liderada por Leonid Brejnev, foi negativa, ocasionando na invasão do Exército Vermelho sobre a Tchecoslováquia.
  • A invasão soviética resultou em conflitos contra manifestantes, mortes de cerca de 140 tchecoslovacos e no aprisionamento e deposição de Alexander Dubcek.
  • Após sufocar o movimento, Moscou indicou o secretário-geral Gustav Husák para governar a Tchecoslováquia, que liderou o Estado de forma autoritária até o final da Guerra Fria.
  • A inflexibilidade da URSS perante a Primavera de Praga resultou em uma imagem negativa para o regime, que havia adquirido um status relativamente positivo sob a liderança de Nikita Kruschev.

O que foi a Primavera de Praga?

A Primavera de Praga consistiu em um momento de grande tensão vivido na República da Tchecoslováquia, em 1968, ocasionado pelas propostas do presidente tcheco Alexander Dubcek de reformar o país e dissolver os resquícios remanescentes do período de ditadura stalinista — nesse contexto, a Tchecoslováquia fazia parte do Pacto de Varsóvia, atuando como Estado-satélite da União Soviética.

Como resultado à tentativa de reforma, o secretário-geral da URSS, Leonid Brejnev, ordenou a invasão militar sobre o país aliado, sufocando qualquer tentativa de reforma proposta pelo presidente ou manifestações que apoiavam as mudanças. Dubcek foi deposto e levado à força para Moscou, enquanto o Estado tchecoslovaco passou a ser governado por Gustav Husák, que restaurou o autoritarismo alinhado à URSS até os momentos finais da Guerra Fria.

No entanto, apesar de a Primavera de Praga ter significado um momento relativamente breve para a Tchecoslováquia, a brutalidade conduzida pelas forças soviéticas resultou em uma imagem negativa para o regime, tanto diante de outros países aliados quanto do Ocidente, um status que havia sido amenizado quando o secretário-geral anterior a Brejnev, Nikita Kruschev, iniciou um lento processo de desestalinização.

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Contexto histórico da Primavera de Praga

Poucos anos após o início da Guerra Fria (1947-1991), em 1955, a União Soviética entrou em acordo com os países sob sua influência desde a Segunda Guerra Mundial, no Leste Europeu, para que se apoiassem mutuamente no caso de um conflito direto com os Estados Unidos e os seus aliados. A criação do pacto foi uma resposta à fundação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em 1949, liderada pelos EUA, que, além do Canadá, abrangia os países do Oriente Europeu a fim de impedir a expansão da ideologia socialista soviética.

Entre os países-membros do Pacto de Varsóvia, encontrava-se a Tchecoslováquia, que foi desmembrada em República Tcheca e Eslováquia após o término da Guerra Fria. Consequentemente, o governo do país passou a ser supervisionado pela União Soviética para que fosse presidido exclusivamente por membros do Partido Comunista da Tchecoslováquia, fundado ainda em 1921.

De 1948 a 1989, a Tchecoslováquia — chamada, durante esse período, de República Socialista da Eslováquia — passou pela administração de cinco secretários-gerais, que detinham o poder mais alto da hierarquia política dos Estados socialistas, enquanto os presidentes compunham figuras públicas diretamente submetidas ao Secretariado.

Nesse período, a União Soviética era chefiada pelo stalinista Leonid Brejnev, que colocava em prática a sua Doutrina da Soberania Limitada (ou Doutrina Brejnev), que tinha por ideologia a intervenção militar direta sobre quaisquer Estados-satélites ou Estados-clientes da URSS que se encontrassem sobre uma possível ameaça do capitalismo ou do fascismo.

O seu funcionamento se dava pela constante vigilância dos Estados submetidos a Moscou, principalmente por meio da KGB (Comitê de Segurança de Estado) que atuava como agência de espionagem soviética; dessa forma, Brejnev impunha o seu autoritário “neostalinismo” e impedia qualquer ameaça de dissidência por toda a extensão dos territórios socialistas.

Multidão cercando tanques soviéticos na Primavera de Praga.
Os tanques soviéticos representaram a inflexibilidade soviética na Primavera de Praga.[1]

O ano de 1968 foi particularmente tenso:

  • houve a ofensiva de Tet no Vietnã,
  • a França foi palco de confrontos entre civis e a polícia no “Maio de 68”,
  • no Brasil, decretou-se o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) e
  • o líder ativista norte-americano Martin Luther King Jr. foi assassinado.

Esse ano, em específico, também é lembrado por um dos eventos mais marcantes do contexto da Guerra Fria, refletido na Primavera de Praga. Em 5 de janeiro de 1968, Alexander Dubcek, de origem eslovaca, assumiu o terceiro mandato do cargo de secretário-geral da Tchecoslováquia. Ao contrário da grande maioria dos membros do Partido Comunista da Tchecoslováquia, Dubcek tinha pretensões de inovar a política do Estado, sem necessariamente se afastar da ideologia socialista.

Alexander Dubcek, secretário-geral da Tchecoslováquia, em 1968.
Alexander Dubcek, secretário-geral da Tchecoslováquia, em 1968. [1]

Na prática, isso significava a instauração do programa “Socialismo com face humana”, que propunha uma sutil abertura democrática-socialista, ainda que sob constante vigilância do Partido, e a abertura de certa liberdade econômica, sem que se ignorassem as práticas coletivistas do socialismo.

Mais precisamente, essa política proposta pelo secretário-geral incluía liberdade de imprensa e expressão, democratização interna (do Partido Comunista da Tchecoslováquia), maior autonomia econômica às empresas, reabilitação social e política aos expurgados por Stalin (considerados possíveis “inimigos internos” no expurgo tchecoslovaco de 1950), a criação de duas Repúblicas Socialistas (uma tcheca e outra eslovaca) em decorrência de demandas nacionalistas e étnicas, entre outros objetivos. As propostas se propagaram por todo o país, ocasionando o apoio de milhares de populares, entre grupos de estudantes, intelectuais e trabalhadores em geral.

Veja também: Stalinismo — tudo sobre o regime de terror construído por Josef Stalin

Objetivos da Primavera de Praga

O programa “Socialismo com face humana”, proposto por Alexander Dubcek, tinha como objetivo:

  • Democratização do Partido Comunista

Dubcek apoiava a abertura à democracia dentro do próprio Partido Comunista da Tchecoslováquia. De acordo com o primeiro-secretário tchecoslovaco, a proposta seria essencial para se afastar do modelo totalitário stalinista, por permitir disputas internas por cargos públicos e abrir espaço para diálogos políticos.

  • Autonomia econômica e política

Uma das principais pautas apresentadas por Dubcek foi a aproximação econômica de empresários e a concessão de associações, em relativa aproximação com a ideologia capitalista exercida pelos EUA e pela OTAN. Igualmente relevante, a flexibilização da política externa foi proposta pensando-se na aproximação com as potências ocidentais e outros países não associados à URSS.

  • Liberdade de imprensa e expressão

Igualmente associado ao processo de desestalinização, o programa visava dissolver a censura e permitir a abertura a críticas contra o governo e o partido.

  • Federalização do Estado 

No contexto, a Tchecoslováquia passava por divergências étnicas e nacionalistas. Para isso, Dubcek propôs a criação de duas repúblicas independentes: a Tchéquia e a Eslováquia.

Qual foi o resultado da Primavera de Praga?

Brejnev compreendia o programa proposto por Dubcek como uma afronta, traição ou ameaça à soberania da União Soviética, temendo um “efeito dominó” sobre outros Estados sob a influência da potência. Como resposta a essa atitude considerada subjetiva, Brejnev ordenou a ativação da Operação Danúbio, que consistia no envio de mais de meio milhão de soldados de diversos territórios soviéticos sobre a Tchecoslováquia entre 20 e 21 de agosto de 1968, além de cerca de dois mil tanques e centenas de aviões de guerra.

Nesse ínterim, Dubcek foi sequestrado pela polícia soviética e levado a Moscou, embora retornasse à Tchecoslováquia sem direitos políticos imediatos. O resultado da invasão não foi um massacre nas proporções da intervenção sobre a Hungria, que deixara milhares de mortos, mas, mesmo assim, estima-se que cerca de até 140 tchecoslovacos tenham morrido principalmente em conflitos contra os soviéticos. Após o evento, porém, o número de vítimas aumentou. Após a deposição de Dubcek, agora com Gustav Husák na liderança do Estado, um novo expurgo resultou em mais ou menos 400 mortes até o término da Guerra Fria.

Muro com a suástica dentro de uma estrela, em Praga, uma crítica ao Partido Comunista durante a Primavera de Praga.
Associação do Partido Comunista à SS nazista por algum manifestante em Praga, 1968.

A Tchecoslováquia não foi o primeiro Estado a sofrer intervenção militar da União Soviética por receio de dissidências. Quando da morte de Josef Stalin, em 1953, diversos protestos liderados por operários, em decorrência do aumento de suas cargas horárias de trabalho, disseminaram-se pela Alemanha Oriental. Como resultado, os revoltosos foram violentamente contidos pelas forças da URSS estacionadas ao redor do país. No ano de 1956, tanto a Hungria quanto a Polônia protestaram contra o domínio soviético, que respondeu com o envio de tanques e soldados do Exército Vermelho, sufocando brutalmente ambas as tentativas de libertação da influência direta de Moscou.

Como menciona o historiador russo: “[...] a Tchecoslováquia tentou seguir um caminho próprio, democrático e nacional do socialismo, os tanques russos voltaram a desfilar, e Brejnev declarou que não seria permitido a nenhum Estado pertencente à Cortina de Ferro subtrair-se ao ‘império’”|1|.

Consequências da Primavera de Praga

A Primavera de Praga teve como consequências:

  • a intervenção direta da União Soviética,
  • a dissolução das propostas reformistas de Dubcek e
  • a retomada de um rígido controle supervisionado por Moscou.

Além das cerca de 140 mortes ocasionadas em decorrência da incursão de 1968, perante a incursão de meio milhão de soldados do Pacto de Varsóvia, outras centenas de tchecoslovacos foram perseguidos e assassinados pela rígida política do primeiro-secretário nomeado por Brejnev, Gustav Husák. Alexander Dubcek retornou ao Estado sem direitos políticos, e consequentemente, foi expulso do Partido Comunista.

Tanque soviético em frente ao Museu Nacional de Praga no 40º aniversário da Primavera de Praga.
Um tanque soviético foi exposto diante do Museu Nacional de Praga no 40º aniversário do evento, 2008.[3]

Os efeitos do evento não foram apenas imediatos, além de resultarem em mais um longo período de autoritarismo para o país, regido por meio de expurgos, a inflexibilidade da Operação Danúbio serviu de material político para disseminar a propaganda anticomunista no Ocidente (entre os mesmos países que, por sua vez, detinham colônias na África e apoiavam ditaduras alinhadas aos EUA).

Antes da política de Brejnev, a URSS havia passado por um lento e paulatino processo de desestalinização iniciado por Nikita Kruschev, que havia adquirido relativo status positivo para o Estado em comparação ao regime totalitário de Stalin. Apesar da imagem negativa resultante da Primavera de Praga, as reformas políticas propostas por Dubcek possuíam fundamento para que os líderes do regime reagissem com receio, como se provou anos mais tarde, quando os programas de flexibilização econômica e social implementados pela URSS, liderados por Gorbatchov (a Perestroika e a Glasnost) acabaram ocasionando a dissolução da potência socialista.

Saiba mais: Fim da União Soviética — o que provocou a derrocada do regime?

Exercícios resolvidos sobre a Primavera de Praga

1. (IF-TO) Em 1968, na Tchecoslováquia, desenvolveu-se o movimento denominado “Primavera de Praga”, que possuía como suas principais reivindicações:

a) Liberdade religiosa, convocação de eleições diretas e completo desligamento com a URSS.

b) Fim do regime totalitário anticomunista, liberdade de expressão e sufrágio universal.

c) Livre organização sindical, fim da intervenção norte-americana no Vietnã e direito de voto para as mulheres.

d) Instauração de um governo socialista, pluripartidarismo e renegociação da dívida externa com o Banco Central.

e) Pluralismo partidário, liberdade de expressão e construção de um “socialismo com face humana”.

Resposta: E

O programa “Socialismo com face humana”, do secretário-geral da Tchecoslováquia, Alexander Dubcek, propôs reformas econômicas, sociais e políticas no Estado que acarretaram a invasão das tropas soviéticas sobre o país.

2. (FMJ) A Primavera de Praga, em 1968, precedida e acompanhada de fermentação e agitação político-culturais, coincidiu com a explosão geral de radicalismo estudantil: um dos raros movimentos que cruzaram oceanos e as fronteiras de sistemas sociais, e produziram movimentos sociais simultâneos, sobretudo centrados nos estudantes, da Califórnia e México à Polônia e Iugoslávia.

(Eric Hobsbawm. Era dos extremos, 1999. Adaptado.)

Sobre essas mobilizações de 1968, é correto afirmar que:

a) O bloco soviético estava coeso em favor dos movimentos estudantis no mundo.

b) O reformismo do bloco socialista foi apoiado pela burocracia estatal de Moscou.

c) O caráter revolucionário do movimento estudantil concretizou-se no fim do socialismo.

d) O levante estudantil da França estimulou a ascensão de ditaduras na América Latina.

e) O movimento democrático na Tchecoslováquia foi reprimido pelos soviéticos.

Resposta: E

Em nenhum momento a URSS reagiu positivamente às demandas por reformas políticas dentro dos Estados pertencentes ao Pacto de Varsóvia ou Comecon; pelo contrário, elas foram reprimidas, a exemplo da Primavera de Praga na Tchecoslováquia.

Nota

|1| VON GRUNWALD, Konstantin. Pequena história das grandes nações: União Soviética. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p.118.

Créditos de imagens

[1] Wikimedia Commons

[2] Wikimedia Commons

[3] Miraleks/ Shutterstock

Fontes

BEBIANO, Rui. O poder da imaginação: Juventude, rebeldia e resistência nos anos 60. Coimbra: Angelus Novus, 2003.

BROUÉ, Pierre. A Primavera dos Povos começa em Praga. São Paulo: Kairós, 1979.

GAIDAR, Yegor. Collapese of an Empire: Lessons for Modern Russia. Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2007.

LEWIN, Moshe. The Soviet Century. Londres: Verso, 2016.

LOGUERCIO, Edgardo. O significado histórico da Primavera de Praga, 2018. Jornal da USP. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/o-significado-historico-da-primavera-de-praga

MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Tanques esmagam a Primavera de Praga, 201?. Disponível em: https://memorialdademocracia.com.br/card/tanques-esmagam-a-primavera-de-praga.

VON GRUNWALD, Konstantin. Pequena história das grandes nações: União Soviética. São Paulo: Círculo do Livro, 1978.

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