Alta Idade Média

Alta Idade Média ocorreu do século V ao século X, e, nesse período, surgiram os impérios carolíngio e bizantino e a Igreja Católica firmou-se como grande força política e cultural.
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Alta Idade Média é uma parte da Idade Média, de acordo com uma periodização feita pelos historiadores. A Idade Média, em si, correspondeu ao período de 476 a 1453, e a Alta Idade Média é um período específico dentro dela, do século V até o século X. Levando-se em conta a Europa Ocidental, a Alta Idade Média é um momento de inúmeras transformações.

Essas transformações foram causadas pela fragmentação do Império Romano do Ocidente, que aconteceu no século V. Após isso, a Europa Ocidental passou a ser ocupada pelos povos germânicos e a mistura das características latinas e germânicas deu origem a uma nova forma de organização política, social e econômica.

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Início da Alta Idade Média

A Idade Média iniciou-se com a desagregação do Império Romano do Ocidente.
A Idade Média iniciou-se com a desagregação do Império Romano do Ocidente.

Podemos considerar que o ponto de partida da Idade Média (e da própria Alta Idade Média) foi a desagregação do Império Romano, no século V. Por meio dela, o Império Romano do Ocidente deixou de existir e as terras que faziam parte dele foram ocupadas pelos povos germânicos, que tentavam invadi-las desde o século III.

O fim do Império Romano do Ocidente foi o episódio final de uma crise que se arrastou por longos séculos. No século II, Roma vivia o seu auge, mas o século seguinte deu início a uma crise fatal para o império. Vários fatores contribuíram para ela, vejamos alguns deles.

Um fator importante foi o fim das guerras de conquista de Roma, pois a última conquista territorial romana aconteceu em meados do século II. O fim dessa expansão atingiu em cheio o coração do império, mais especificamente o sistema escravista. A economia romana era dependente do trabalho escravo, fosse rural, fosse urbano.

Os escravos realizavam grande parte do trabalho pesado e eram obtidos por meio das guerras de conquista. Com o fim delas, a obtenção deles diminuiu e, logo, a população escrava também. Isso resultou em queda na produção, o que, consequentemente, reverteu-se em crise econômica.

Além da crise econômica, Roma enfrentou uma crise política causada pela altíssima corrupção na administração do império e na disputa ferrenha pelo poder. A má administração política contribuía para desestabilizar o império, e a crise econômica tornava-o vulnerável, uma vez que a quantidade de soldados para proteger as fronteiras era menor.

O golpe de misericórdia sobre o Império Romano foram as invasões germânicas, que tomaram proporções gigantescas a partir do século III. Os germânicos habitavam ao norte das fronteiras de Roma, na Europa, e havia séculos que os romanos travavam guerras contra eles. A partir do século III, as invasões tornaram-se frequentes e maiores.

Na escultura, o papa Leão I impede os hunos de invadirem e saquearem Roma, no século V. [1]
Na escultura, o papa Leão I impede os hunos de invadirem e saquearem Roma, no século V. [1]

Não se sabe ao certo os motivos que levaram dezenas de povos germânicos a invadirem as terras romanas, mas existem teorias a respeito. A procura por terras e climas melhores e a fuga de povos mais poderosos são fatores levantados para justificar essa migração. Os historiadores afirmam também que eles não queriam destruir o Império Romano, mas fazer parte dele. Entre esses povos, podemos citar os visigodos, os hunos e os vândalos.

A dificuldade de governar um império daquele tamanho e a perda de controle sobre as terras da Europa Ocidental fizeram com que os romanos procurassem reformá-lo. Duas medidas de destaque, nesse sentido, são: a criação de Constantinopla (que se tornou a nova capital) e a divisão do império em Império Romano do Ocidente e do Oriente.

A parte ocidental do Império Romano fragmentou-se em definitivo a partir de 476, quando o último rei, Rômulo Augusto, foi destituído do trono por Odoacro, rei dos hérulos. Com isso as terras na Europa Ocidental foram ocupadas pelos povos germânicos, que formaram pequenos reinos.

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Características da Alta Idade Média

A Alta Idade Média é um período de muitas transformações na Europa Ocidental, uma vez que houve uma mistura da cultura dos germânicos recém-instalados com a cultura latina. Os historiadores consideram que a Alta Idade Média foi o momento em que foi gestado o feudalismo. As mudanças que surgiram da fragmentação do Império Romano resultaram em novas formas de organização social, política e econômica.

Duas grandes marcas dela é a redução populacional — em comparação com os tempos de Império Romano — e a ruralização da Europa. Ambas foram motivadas pela violência, fome e pelas doenças trazidas com as invasões germânicas. Somente por volta do século VIII é que a população na Europa Ocidental começou a recuperar-se.

A ruralização foi um resultado direto das invasões germânicas, já as cidades foram os locais mais atacados pelos invasores. Além da desorganização do mundo romano, elas desestruturaram o comércio e fizeram com que as cidades parassem de ser abastecidas. Assim, os habitantes desses locais começaram a mudar-se para as zonas rurais e estabelecer-se próximos a grandes propriedades.

Durante a Alta Idade Média, a servidão dos camponeses estabeleceu-se como principal modalidade de trabalho.
Durante a Alta Idade Média, a servidão dos camponeses estabeleceu-se como principal modalidade de trabalho.

Ao longo de todo esse período, o isolamento dessas grandes propriedades rurais foi dando origem aos feudos. Com o processo de feudalização da Europa, o comércio enfraqueceu-se, assim como a circulação de moeda, que perdeu importância para a troca. Mesmo enfraquecidos, ambos, comércio e moeda, nunca deixaram de existir e retomaram sua força a partir do século XI.

A cultura começou a modificar-se com a mescla de características latinas e germânicas. Um dos grandes exemplos disso é encontrado na linguagem, pois idiomas modernos, como o francês e o português, começaram a surgir nesse processo. Por fim novos reinos, com organizações distintas daquelas que existiam em Roma, começaram a surgir.

Na política, o poder do rei era grande, mas não era absoluto, e eram necessárias alianças para reforçá-lo em sua posição. Essa necessidade do rei de manter uma política de alianças com outros nobres deu origem à relação de vassalagem, oficialmente surgida em meados do século VIII. Nela o rei fornecia terras para os nobres, os quais podiam explorá-la e, em troca, ofereciam sua fidelidade ao rei.

A economia europeia durante a Alta Idade Média era majoritariamente dependente do trabalho agrícola e da mão de obra servil. Essa relação deu-se na medida em que a feudalização da Europa construiu-se entre os séculos V e X. Isso aconteceu porque, com a ruralização, uma massa de pessoas pobres estabeleceu-se perto de grandes propriedades rurais à procura de trabalho, alimento e proteção.

Essas terras pertenciam a uma elite que se estabeleceu como nobreza durante a Idade Média. Isso permitiu que uma relação de trabalho surgisse nesse processo. O senhor feudal, dono do feudo, disponibilizava suas terras, ferramentas e instalações para os camponeses, e esses tiravam o seu sustento do trabalho, mas com a obrigação de pagar altíssimos impostos aos seus senhores. A servidão foi predominante, mas em algumas partes da Europa ainda existia o trabalho escravo.

Com a redução populacional e o uso de técnicas de cultivo bastante arcaicas, a produtividade na Alta Idade Média era baixa e só aumentou durante a Baixa Idade Média. O artesanato era fraco porque a mão de obra disponível para ele era pouca, e o número de consumidores, pequeno. Isso acontecia porque as cidades eram pouco povoadas.

Nós conseguimos ter uma dimensão dessa pouca população urbana ao levarmos em consideração Roma. Acredita-se que, durante os tempos do Império Romano, no seu auge, até um milhão de pessoas vivia na cidade, e alguns historiadores afirmam que, durante a Idade Média, ela só conseguiu ter mais de 100 mil habitantes depois do século X.

O comércio na Alta Idade Média era tímido, uma vez que só eram comercializados os itens excedentes de determinada região. Caso uma região ou feudo necessitasse de determinado alimento, ela poderia tentar obtê-lo por meio da troca com feudos vizinhos. Como define o historiador Hilário Franco Júnior, a raridade de mercadorias circulantes fazia com que a moeda também fosse rara|1|.

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O legado romano: bizantinos e carolíngios

Como mencionado, depois da desagregação do Império Romano, a Europa, como um todo, passou por grandes transformações. O lado ocidental fragmentou-se em vários reinos e foi influenciado pelas culturas latina e romana. O lado oriental, por sua vez, manteve-se unificado e seguiu a tradição grega. Dentro desses dois cenários, dois grandes impérios surgiram: o Império Carolíngio e o Império Bizantino.

Coroação de Carlos Magno como rei dos francos no século VII. [2]
Coroação de Carlos Magno como rei dos francos no século VII. [2]

Os carolíngios foram uma dinastia do reino dos Francos, estabelecida no poder no século VIII. Os francos foram o povo germânico mais bem-sucedido em estabelecer um reino duradouro e levemente estável na Europa Ocidental. Os carolíngios subiram ao poder depois de tomarem-no dos merovíngios com o rei Pepino, o Breve, coroado em 751.

Eles conseguiram estabelecer um reino próspero que, além de ter conquistado muitas terras na Europa Central, ainda estabeleceu muitas práticas importantes na Europa medieval. O grande rei dos carolíngios foi Carlos Magno, que governou entre 768 e 814. Carlos Magno teve sucesso em realizar a cristianização de povos pagãos, liderou suas tropas na Europa e conseguiu derrotar os lombardos na região norte da atual Itália.

A morte de Carlos Magno acabou enfraquecendo os carolíngios, que perderam sua estabilidade e parte de seus domínios. Os historiadores consideram o Império Carolíngio como uma tentativa cristã de reviver o Império Romano do Ocidente.

Justiniano governou o Império Bizantino durante o século VI e foi um dos imperadores mais bem-sucedidos desse império. [3]
Justiniano governou o Império Bizantino durante o século VI e foi um dos imperadores mais bem-sucedidos desse império. [3]

Os bizantinos, por sua vez, não foram uma tentativa de reviver o Império Romano do Oriente, mas a continuidade dele. A parte oriental do Império Romano resistiu à fragmentação trazida pelos povos germânicos. Isso aconteceu porque a prosperidade dessa parte permitiu que seus habitantes conseguissem expulsar os invasores.

O Império Bizantino tinha como capital a cidade de Constantinopla, fundada em 330 por ordem do imperador Constantino. O auge desse império aconteceu durante o reinado de Justiniano, rei que conseguiu expandir consideravelmente as terras bizantinas. No seu governo, os bizantinos conquistaram parte do norte da África, parte da Península Ibérica, toda a Península Itálica e parte da Dalmácia.

Durante o reinado de Justiniano, foi criado um sistema de leis conhecido como Corpus Juris Civilis, obras públicas importantes foram realizadas em Constantinopla, com destaque para a Hagia Sofia — criada como um templo ortodoxo. Ele também tentou unificar a cristandade pela influência do cristianismo oriental.

O Império Carolíngio deixou de existir no final do século IX, e o Império Bizantino só deixou de existir em meados do século XV.

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Religião na Alta Idade Média

Na Alta Idade Média já havia sido estruturada esta dicotomia presente no mundo até hoje: a rivalidade entre cristãos e muçulmanos. Isso porque, durante esse período, a Igreja consolidou-se como força política, econômica e religiosa, e o islamismo surgiu enquanto religião e deu início a sua expansão territorial por meio dos seguidores de Muhammad.

Na Alta Idade Média, a Europa presenciou o fortalecimento da Igreja Católica como uma instituição poderosa, e tudo isso começou nos tempos do Império Romano. Em 380, por meio do Édito de Tessalônica, o imperador romano Teodósio I determinou o catolicismo como religião oficial do Império Romano. Isso permitiu o cristianismo estabelecer-se como maior religião nas terras dominadas por Roma.

Usando do poder do Estado, essa religião perseguiu práticas religiosas tradicionais e pagãs, e, com isso, inúmeras regiões foram cristianizadas. Após o século V, a Igreja ocupou o vácuo de poder deixado pelos romanos quando o império caiu. Por isso que, durante a Idade Média, era frequente que as cidades fossem governadas por sacerdotes locais.

A Igreja soube associar-se com o poder secular dos novos reinos à medida que eles iam instalando-se. Isso só foi possível por conta dos grandes esforços realizados por ela para cristianizar os povos germânicos. À medida que eles eram cristianizados, a Igreja reforçava seu poder, ao mesmo tempo que lhes dava legitimidade.

A aliança do poder eclesiástico, representado pela Igreja, com o poder secular, representado pelos reis, garantiu o fortalecimento da Igreja, ao mesmo tempo que lhe garantia posses e riqueza. Durante a Alta Idade Média, a Igreja Católica estabeleceu as doutrinas do cristianismo e combateu as heresias (destaque para o combate ao arianismo).

Por fim, a Alta Idade Média foi marcada pelo surgimento do islamismo. Essa religião surgiu no século VII, por meio de Muhammad, seu profeta. Os muçulmanos acreditam que Muhammad recebeu uma revelação de Allah, fazendo com que ele iniciasse a pregação do islamismo a partir de 612.

Em 622, ele fugiu de sua cidade, Meca, porque passou a ser perseguido por suas pregações. Instalou-se em Medina e, de lá, liderou uma guerra contra Meca, cidade que ainda praticava a religião pagã existente na Península Arábica até então. Muhammad conseguiu conquistar Meca e toda a Península Arábica.

Depois de sua morte, os seguidores de Muhammad continuaram levando a mensagem de Allah e, por isso, conquistaram regiões no Oriente Médio, no norte da África e na Península Ibérica. Na Europa, os muçulmanos derrotaram os visigodos e só foram barrados pelos francos, durante a Batalha de Poitiers.

Nota

|1| JUNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 36.

Por Daniel Neves Silva

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