As falsas caveiras astecas

Mitchell-Hedges e sua filha: dois famosos instigadores das lendárias caveiras de cristal

Por Rainer Sousa

A glamorização da cultura material de outros povos é uma prática bastante comum em vários redutos da cultura ocidental. Permeada por um interesse que se intensifica no século XIX, com a onda imperialista que determinou a chegada de colonizadores em diferentes pontos do planeta, a descoberta de tesouros e artefatos inestimáveis começou a fomentar a cobiça de exploradores e a curiosidade de muitos outros. Afinal, qual a complexidade e valor resignado no interior das culturas antigas e misteriosas?

Alguns exploradores do século XX, alimentados pela provocação dessa pergunta, começaram a noticiar a existência de misteriosas caveiras de cristal. Muitos especulam que essas caveiras não condiziam com a capacidade técnica dos antigos povos em que elas foram encontradas. Tal incompatibilidade acabou servindo de combustível para o desenvolvimento de crenças que acreditam no poder curativo dessas peças ou até do seu envio por criaturas de outros planetas.

Em 1878, um crânio de quartzo de onze centímetros e quase três quilos foi oferecido ao Museu de Etnografia do Palácio do Trocadero. Tempos depois, acabou sendo adquirido pelo museu francês Quai-Branly, que nomeou a peça como “o crânio de Paris” e determinou sua origem asteca. Mais famosa ainda é a “caveira de Frederick Albert Mitchell-Hedges”, que anunciou a descoberta de uma caveira de cristal em um templo encontrado em Belize.

Segundo o relato desse explorador, o curioso artefato fora encontrado por sua filha Anna, no exato dia em que a jovem completava seus 17 anos de idade. Segundo a jovem, a caveira teria o poder de repassar e concentrar o conhecimento de antigos sacerdotes que viviam na região de origem do artefato. Em suas memórias, Frederick Albert salienta que muitos daqueles que duvidaram da veracidade da descoberta morreram e que os seus reais poderes não poderiam ser revelados.

Além desses dois casos, outro crânio alojado no instituto Smithsonian apresenta as maiores medidas de todas as caveiras de cristal catalogadas pelo mundo. Recebida misteriosamente pelos correios, o remetente da peça somente escreveu uma pequena carta dizendo que ele tinha sido há muito tempo adquirido na Cidade do México, na década de 1960. Diferente das outras caveiras mais conhecidas, essa possui uma coloração mais esbranquiçada.

Enquanto muitos tecem teorias exotéricas e místicas sobre as caveiras de cristal, muitos outros membros da comunidade científica buscam atestar e desvendar todo esse mistério. Na década de 1970, o restaurador de arte Frank Dorland afirmou que a “caveira de Mitchell-Hedges” foi misteriosamente construída ao longo de três séculos. Para esse estudioso, a riqueza de detalhes e a complexidade da peça eram provas de que a caveira de cristal exigiu um lento e cuidadoso trabalho.

No entanto, pesquisas recentes mostram que essas peças não poderiam ser produzidas pelo tipo de instrumentação comum aos povos pré-colombianos. As caveiras de Londres e Paris teriam sido fabricadas com cristal de rocha brasileiro, na Alemanha, entre as décadas de 1860 e 1890. O emprego de instrumentos de metal e a complexidade do entalhe apresentado não podem ser correspondentes às várias características que definem as antigas culturas materiais presentes em todo o continente americano.

Com relação ao afamado crânio de Mitchell, a investigação documental do cético Joe Nickell bastou para que o mito fosse completamente desbaratado. Segundo o investigador do caso, a caveira de cristal fora adquirida por quatrocentas libras de um negociador de artes chamado Sidney Burney. Assim, o mistério das caveiras de cristal nada mais é que a bela anedota de um falso brilhante.

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Por Rainer Gonçalves Sousa
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